quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Fala, Zé!



De uma hora pra outra, todo mundo quer entrevistar o ator José de Abreu. Ótimo: pelo menos assim quebra-se, por um momento (e por obra da repercussão de seu Nilo, da novela Avenida Brasil), o falso silêncio em torno do pensamento político único que a imprensa em geral deseja implantar. Ouvir José de Abreu é abrir espaço para quem não decreta automaticamente que o outro José, o Dirceu, é a última encarnação do demônio na Terra, e abrir a cabeça para uma reflexão política que, tanto quanto cresce nas camadas menos acovardadas da população, mais é silenciada nas páginas dos jornais e blocos dos telejornais. Com vocês, um Zé na contramão (do site do jornal Folha de S. Paulo):


O MENSALÃO E O PT
 
"Eu nunca conversei com o Zé [José Dirceu] a respeito das denúncias. Acho que o PT fez o que sempre se fez. É errado? Sim! Mas fez o que sempre se fez". 

"Por que o PPS apoia o Serra em São Paulo e o Paes/Lula/Dilma no Rio? Qual o sentido disso? Roberto Freire [presidente do PPS] passa 24 horas por dia no Twitter metendo o pau no Lula, chamando de ladrão e de corrupto, e fecha com o Paes aqui, com um vice-candidato a prefeito do PT? É venda de espaço, venda de horário, venda da sigla. Vou ser processado. Já estou sendo processado pelo Gilmar Mendes [ministro do STF, por chamá-lo de corrupto no Twitter]]. Agora, talvez seja processado pelo Freire." --procurado pela reportagem, Roberto Freire declarou: "Esse ator tem uma ética política que orbitava ao redor do PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Agora, ele não tem mais nada disso. Não merece meu respeito nem a minha resposta." 

"O Supremo quer mudar a maneira de fazer política no Brasil. Ótimo, maravilha! Óbvio que tinha que começar com o PT. Então, agora para ser condenado no Brasil basta ser preto, puta, pobre e petista." 

"O grande organizador da base foi o Zé Dirceu. Eu não tenho informação de cocheira para falar. Lendo a imprensa, deu para notar o seguinte. Antes do Lula ser eleito, houve uma reunião dele com o Zé Dirceu dizendo que ele não queria mais concorrer, né? E o Zé o convenceu com a ideia do José de Alencar [ex-vice-presidente] ser vice, de abrir um pouco mais o PT, de fazer coligação etc. Isso tudo foi o Dirceu quem fez não o Lula. Mas se for a história do domínio do fato, tem que prender o Fernando Henrique por comprar a eleição dele, porque tem provas. Agora se fala, eu sei que houve, mas não sei quem fez. O deputado Ronnie Von Santiago [que era do PFL-AC] falou eu ganhou R$ 200 mil para votar a favor da reeleição do Fernando Henrique. Ah, o FHC não sabia? Mas pelo domínio do fato, não saber é como saber. Então se pode enquadrar qualquer um, até o Lula, que sem dúvida nenhuma é o grande objetivo..." 

"O PT está virando o Brasil de cabeça para baixo, está colocando uma mulher na presidência, um negro na presidência do STF, tirando 40 milhões da pobreza, fazendo um cara que sai do Bolsa Família, do ProUni, fazer mestrado em Harvard, ter os primeiros lugares do Enem." 

"Como é que um operário sem dedo, semianalfabeto faz isso que nunca fizeram? O nosso querido Fernando Henrique Cardoso, que era a minha literatura de axila na faculdade, que era meu ídolo. Não o Lula. O Lula era da minha geração, o FHC de uma anterior. Fernando Henrique, Florestan Fernandes eram os caras que queria mudar o Brasil. Aí o Fernando Henrique tem a oportunidade e não faz? Vai para a direita? É uma coisa louca. O que aconteceu? O PT e o PSDB nasceram da mesma vértebra. Era para ser um partido só. O que acontece é que chegam ao poder e vendem a alma ao diabo. Fica igual ao que foi feito nos 500 anos. O PT teve o peito de tentar romper, rompeu e está pagando por isso." 

"Eu votei no Fernando Henrique na primeira vez [na eleição de 1993]. Achava que ele era melhor do que o Lula naquela oportunidade. E foi mesmo. O Lula foi melhor depois."

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

As pesquisas, o mensalão e a "opinião pública"




Por Ricardo Kotscho

Nunca tantos falaram em nome da "opinião pública" como nestas últimas semanas que antecederam o início do julgamento do processo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal.

Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em nome da "sociedade que não suporta mais esta situação", saiu dos seus cuidados para gravar vídeos clamando pela necessidade de se "fazer justiça" para não colocar em risco o futuro da democracia brasileira.

E só tem um jeito de se fazer justiça, segundo os porta-vozes midiáticos da opinião pública, repetindo com todas as letras o lema do procurador-geral Roberto Gurgel: "Fazer justiça é condenar todos os réus".

A "sociedade" a que FHC se refere deve ser certamente aquela formada por seu moribundo partido (ver pesquisa CNT Opinião e Ibope mais abaixo) com os principais veículos de comunicação do país reunidos no Instituto Millennium, que desde 2005 querem "acabar com esta raça", o desejo revelado publicamente por seu aliado Jorge Bornhausen (por onde andará?).

Antes mesmo de Roberto Gurgel começar a ler o seu memorial de acusação na sexta-feira, após o massacre contra o PT dos últimos dias, que ocupou todos os espaços na velha mídia, dia e noite, o veredicto já estava dado, e nem seria necessário prosseguir o julgamento. Bastaria chamar o camburão da polícia para prender todos os réus.

O objetivo declarado era condenar e tirar de circulação o ex-ministro José Dirceu e outros dirigentes do PT. Por trás de todo o discurso moralista em nome da "opinião pública", porém, o que eles queriam mesmo era finalmente derrotar e acabar com a alta e inabalável aprovação popular do ex-presidente Lula, o que não conseguiram fazer nas urnas.

Gastaram toda sua munição nisso e devem ter ficado profundamente frustrados quando foram divulgados ontem os resultados da pesquisa CNT Opinião, mostrando que Lula teria 69,8% dos votos se a eleição presidencial fosse hoje, contra apenas 11,9% do tucano Aécio Neves, o candidato de FHC. Dilma também ganharia de lavada de Aécio: 59% a 14,8%.

Na falta de uma pesquisa sobre como o povo entende o julgamento do mensalão e o papel da imprensa nesta história _ por que não a fizeram ainda? _ outro indicador que deve deixar a "sociedade" dos tucanos e da mídia inconformados é a avaliação da presidente Dilma Rousseff, que não para de subir: passou de 70,2%, em agosto de 2011, para 75,7% por cento agora.

Ou seja: nem o governo Dilma, nem Lula, nem o PT foram abalados pela campanha de vida ou morte desencadeada por derrotados de 2002, 2006 e 2010.

Pior ainda para o orgulho dos tucanos de bico grande em São Paulo deve ter sido a pesquisa Ibope também divulgada ontem sobre a sucessão municipal em São Paulo.

Outra vez candidato tucano, José Serra também não para de subir, mas é nos índices de rejeição, que já atingiram 34% nesta pesquisa (no Datafolha, chegaram a 37%).

Nos índices de intenção de votos, acontece exatamente o contrário: em relação à primeira pesquisa Ibope, divulgada em maio, Serra caiu 5 pontos, ficando agora com 26%, enquanto o candidato do PRB, Celso Russomanno, subia 9 pontos, de 16% para 25%, em rigoroso empate técnico com o tucano.

O que se nota nesta pesquisa é que Russomanno, e não o candidato do PT, Fernando Haddad, empacado com apenas 6%, atrás de Soninha, do PPS, incorporou o papel de candidato da oposição à administração Serra-Kassab.

O eleitorado parece cansado da eterna disputa entre tucanos e petistas e, ao que as pesquisas até aqui indicam, escolheu este ano uma terceira via, encarnada pelo candidato do PRB e sua bandeira da defesa do consumidor.

Na semana em que começou o julgamento destinado a "acabar com a raça" do PT, foi o PSDB de Serra que bateu seu recorde de rejeição no Ibope, enquanto Dilma e Lula batiam recordes de números positivos.

Alguma coisa deu errado no projeto dos estrategistas globais do Instituto Millennium. A "opinião pública" tão cortejada já não obedece aos antigos "formadores de opinião".

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Veja e Gilmar: história mal contada

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

A imprensa tradicional, ou os meios de comunicação vinculados às marcas tradicionais da imprensa, já não são capazes de mobilizar opiniões e vontades no Brasil. A afirmação, feita sem uma pesquisa que a respalde, pode parecer leviana à primeira vista, mas a cada semana se torna mais evidente que a opinião do público e a ação política dos cidadãos passam muito longe de instituições como a mídia ou os partidos.

A mera observação do noticiário permite constatar como certos temas ganham grande destaque no papel sem, no entanto, provocar o número proporcional de comentários de leitores em sua versão digital. No fim, tudo se transforma em um círculo de manifestações entre a imprensa e suas fontes, sob o olhar aparentemente desinteressado da sociedade.

A nova estocada da revista Veja, segundo a qual o ex-presidente Lula da Silva teria pressionado o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes a adiar o julgamento do chamado caso “mensalão”, em troca de uma blindagem do ministro na CPI que investiga as atividades do bicheiro Carlos Cachoeira, é o caso que merece essa observação.

Aposta do Globo

Segundo a revista da Editora Abril, o ex-presidente teria feito “insinuações” sobre as relações entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres, apontado como articulador dos interesses do bicheiro no Congresso e em alguns estados. A história comprada pela imprensa é de que Lula teria pressionado o ministro do STF para adiar o julgamento do caso “mensalão”.

O ex-ministro Nelson Jobim, que participou do encontro, ocorrido no mês de abril em seu escritório de Brasília, afirma que a conversa não teve esse teor, mas a imprensa escolheu a versão de Gilmar Mendes e da revista Veja.

Pois bem. Nas versões eletrônicas do noticiário a respeito do assunto, disponíveis desde sábado (26/5) na internet, não acontece a repercussão que um episódio dessa gravidade deveria merecer. No domingo (27) , o assunto subiu entre os mais comentados no Twitter e ganhou alguma repercussão no Facebook, mas os leitores se dividem entre os que tomam partido sem qualquer questionamento, enquanto outros evidenciam o fato de que não pode haver duas verdades: ou o ministro Gilmar Mendes mentiu ao insinuar que foi chantageado pelo ex-presidente da República, ou mente o ex-ministro Nelson Jobim, que diz não ter havido a conversa nos termos citados por Mendes.

A imprensa, em peso, tende a acreditar na versão de Gilmar Mendes, e entre os jornais aquele que aposta mais fichas na veracidade da denúncia veiculada por Veja é o jornal O Globo (ver “Lula e Gilmar Mendes: conversa errada, no local errado, com pessoa errada”). Mas esse aval serve apenas para estimular mais especulações e dar voz a deputados e senadores que tentam descaracterizar a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a quadrilha montada pelo bicheiro Cachoeira no Congresso Nacional em sociedade com o senador Demóstenes Torres.

A imprensa toma partido

A história serve a Gilmar Mendes como antídoto para especulações sobre seu relacionamento com o senador Demóstenes Torres. Para outros envolvidos em maior ou menor grau com o bicheiro, serve para lançar dúvidas sobre o processo em curso.

O leitor de jornais pode perceber claramente que duas versões se chocam no noticiário. A versão da revista Veja, comprada pelos grandes jornais de circulação nacional, diz que o ex-presidente da República tenta usar o caso Cachoeira para evitar condenações no caso “mensalão”. Outra versão, apresentada por representantes do partido governista e veiculada em blogs e outros meios alternativos, levanta a hipótese de que o chamado “mensalão” tenha sido criado e amplificado a partir de um acordo entre o bicheiro Carlos Cachoeira e a revista Veja.

Cada jornal pode tirar suas conclusões, mesmo porque nem tudo que chega às redações vira notícia – parte dos fatos é usada para fundamentar internamente as escolhas editoriais. O que foge à lisura do processo jornalístico é a omissão da imprensa em geral quanto ao fato de que a revista Veja não tem isenção para se manifestar sobre o caso Demóstenes-Cachoeira, uma vez que a publicação da Editora Abril aparece entre os principais interlocutores do bicheiro nas gravações em poder da Polícia Federal.

Apenas a revista CartaCapital se refere a esse fato e lembra as relações entre Veja, Demóstenes e Cachoeira, além de observar que a proximidade entre o ministro Gilmar Mendes e o senador acusado “é pública e notória”.

Interessante observar como a chamada grande imprensa passa ao largo de algumas evidências e despreza outras, conforme o viés que elas dão ao noticiário. Também é interessante constatar que, onde podem opinar – ou seja, nos meios eletrônicos –, os leitores parecem não dar a menor importância

quarta-feira, 28 de março de 2012

Tô voltando!


Lula informa sobre o fim do tratamento contra o câncer e avisa que está de volta ao palco das disputas políticas.

Conexão Demóstenes


“Cachoeira e Demóstenes armaram o mensalão”
Por Marco Damiani (do site Brasil247)

O mensalão, maior escândalo político dos últimos anos, que pode ser julgado ainda este ano pelo Supremo Tribunal Federal, acaba de receber novas luzes. Elas partem do empresário Ernani de Paula, ex-prefeito de Anápolis, cidade natal do contraventor Carlinhos Cachoeira e base eleitoral do senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

“Estou convicto que Cachoeira e Demóstenes fabricaram a primeira denúncia do mensalão”, disse o ex-prefeito em entrevista ao 247. Para quem não se lembra, trata-se da fita em que um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, aparece recebendo uma propina de R$ 5 mil dentro da estatal. A fita foi gravada pelo araponga Jairo Martins e divulgada numa reportagem assinada pelo jornalista Policarpo Júnior. Hoje, sabe-se que Jairo, além de fonte habitual da revista Veja, era remunerado por Cachoeira – ambos estão presos pela Operação Monte Carlo. “O Policarpo vivia lá na Vitapan”, disse Ernani de Paula ao 247.

O ingrediente novo na história é a trama que unia três personagens: Cachoeira, Demóstenes e o próprio Ernani. No início do governo Lula, em 2003, o senador Demóstenes era cotado para se tornar Secretário Nacional de Segurança Pública. Teria apenas que mudar de partido, ingressando no PMDB. “Eu era o maior interessado, porque minha ex-mulher se tornaria senadora da República”, diz Ernani de Paula. Cachoeira também era um entusiasta da ideia, porque pretendia nacionalizar o jogo no País – atividade que já explorava livremente em Goiás.

Segundo o ex-prefeito, houve um veto à indicação de Demóstenes. “Acho que partiu do Zé Dirceu”, diz o ex-prefeito. A partir daí, segundo ele, o senador goiano e seu amigo Carlos Cachoeira começaram a articular o troco.

O primeiro disparo foi a fita que derrubou Waldomiro Diniz, ex-assessor de Dirceu, da Casa Civil. A fita também foi gravada por Cachoeira. O segundo, muito mais forte, foi a fita dos Correios, na reportagem de Policarpo Júnior, que desencadeou todo o enredo do Mensalão, em 2005.

Agora, sete anos depois, na operação Monte Carlo, o jornalista de Veja aparece gravado em 200 conversas com o bicheiro Cachoeira, nas quais, supostamente, anteciparia matérias publicadas na revista de maior circulação do País.

Até o presente momento, Veja não se pronunciou sobre as relações de seu redator-chefe com o bicheiro. E, agora, as informações prestadas ao 247 pelo ex-prefeito Ernani de Paula contribuem para completar o quadro a respeito da proximidade entre um bicheiro, um senador e a maior revista do País. Demonstram que o pano de fundo para essa relação frequente era o interesse de Cachoeira e Demóstenes em colocar um governo contra a parede. Veja foi usada ou fez parte da trama?

segunda-feira, 19 de março de 2012

Agora, o filme do Raul

  



Observações prévias do CLIPÃO: O texto abaixo, sobre o novo "filme do Raul", tem um ritmo irresistível, com a boa prosa do jornalista Arnaldo Bloch. Pena que ele recorra ao chavão de glorificar a decadência e desprezar o sucesso, num preconceito recorrente na intelectualidade brazuca. Não precisava, pra festejar Raul, bater tanto em Paulo Coelho - que, de pancada, já tem o bastante. Mesmo assim, é leiturão com gosto de videoclip. Pra sorver com uma inocente coca-cola e já tá bom demais.


RAUUUUUUUUUL

Por Arnaldo Bloch (em "O Globo")

O uivo, no título, não é aleatório. Ele
ecoa, como tantos outros gritos,
através do universo de Raul Seixas,
amplamente percorrido pelo olhar
de Walter Carvalho no documentário “Raul —
O início, o fim e o meio”, que estreia semana
que vem. Tive oportunidade de assisti-lo numa
cabine solitária na Cinelândia.
O uivo está nas inflexões tirolesas dos fins
de versos de “Maluco beleza”, onde “normal”
soa nor ma-úúúúú, assim como “igual”, “total”
e “real”, respectivamente. Está no refrão de
“Rock’n’Raul”, de Caetano. No filme, aliás, o
baiano reinterpreta “Ouro de tolo” dissecando
cada sílaba da paródia-prima de canção romântica
que, de tão inteligente, escapou à tesoura
dos milicos, bem como todo o discurso
da dita Sociedade Alternativa.

O Uivo de Raul está no grito de uma criança
batizada em sua homenagem que, quando lhe
perguntam o nome, só sabe respondê-lo alongando
o fonema. Está no choro das hordas
que acompanharam seu féretro, e também no
regozijo dos que, no cortejo, decretam a evidência
psicoafetiva de ele ter-se tornado
imortal. Outro fato, este objetivo: a impossibilidade
física de gritar “Raul” sem uivar.
A lenda Raul, explorada em múltiplas faces
pelo cineasta, subsiste. E não é graças a Paulo
Coelho, um cultor de lendas que, como mostra
o filme de Carvalho e o próprio relato do
escritor em Genebra, foi apenas uma das engrenagens
do processo.
  
Num aspecto, Paulo foi títere de Raul ao
atender à sua necessidade de ser extremamente
direto e amplamente coloquial, em parcerias
como “Al Capone”: o gângster tratado
como um chapa por um cabeludo chapado
que o aconselha a entrar no prumo.
Em entrevista reproduzida no filme, Raul se
diz, claramente, preocupado com a estratégia
de não ser um artista segmentado: “O brasileiro
tem essa mania de querer definir tudo,
se é classe A, B ou C”, queixa-se o roqueiro
que largou o terno e a pasta de produtor musical
para endoidecer nos festivais, nos palcos
e nos discos.
  
Raul queria falar para todas as classes, sem
abrir mão de sua bagagem de leituras e seu
antenamento com vários sistemas de pensamento.
Para filtrar a barafunda, ele usou, como
ponto de partida, uma equação: o rock de
Elvis e o baião de Luiz Gonzaga são duas retas
que se encontram no infinito.
  
Terminado o seu tempo com Raul, Paulo
Coelho usaria esse paradigma do “simples”
para forjar um texto pretensamente puro e
“curado” do desbunde, mas que resultou apenas
em literatura pobre a serviço de um pastiche
recolhido das religiões, de reducionismos
de filosofia e de um ou outro lirismo.
Raul, depois de convertido às drogas pelo
próprio Paulo Coelho — período que o filme
mostra com impressionante riqueza de imagens
em movimento e informação — lança-se
à carreira e encontra a sua síntese de maneira
muito mais bem-sucedida que Paulo. Não no
que toca à grana e à integridade física, mas no
que toca à percepção mais avançada do embuste
civilizacional, que só se alcança através
dos motores do ceticismo e da ironia.
  
O filme é precioso ao mostrar os dois caminhos
gerados por essa interessante e profícua
simbiose, após a separação: um, o de
Paulo, que leva à glória internacional, à fortuna,
à cura do corpo, com mediocridade artística;
outro, que conduz aos ciclos de ascensão
e queda que atingem quase todos os grandes
espíritos, e, enfim, à autodestruição, com
brutal riqueza artística e infinitas matizes.
O filme tem lá seus defeitos, que ocorrem
por um ímpeto de tudo dizer e reiterar que o
faz um pouco menos enxuto do que poderia
ser. Para um dos entrevistados, com quem falei
por e-mail, Walter, ao optar pela dispersão,
perdeu a oportunidade de fazer o primeiro
documentário no Brasil a ultrapassar um milhão
de espectadores.
  
Um crítico de cinema, Rodrigo Fonseca, crê
que tal dispersividade, porém, foi necessária
para que Walter construísse o que ele considera
a maior reportagem cinematográfica já
feita por um documentarista brasileiro.
O público é uma incógnita. Não fosse assim,
“Lula” teria uns 20 milhões de espectadores.
Se depender do fã-clube, das seitas que seguem
Raul e do forte lançamento previsto, é
provável que, no mínimo, ultrapasse a maior
bilheteria da retomada, no gênero: os duzentos
mil de “Vinícius”. Que, em comum com
“Raul”, tem o fato de discorrer sobre um ícone
da música que desafiou normas, bebeu um
bocado e teve uma batelada de mulheres.
Dispersivo ou não, excessivo ou sumário,
acertado ou crivado de equívocos, o filme é,
com certeza, maluco. Beleza?

Trilhas musicais


A beleza da música sendo cuidadosamente construída pelos instrumentistas. Lembra os belos concertos didáticos que o saudoso maestreo Oswaldo D'Aamore promovia na Academia de Letras, em Natal-RN.