terça-feira, 29 de novembro de 2011

O novo CD de Gal Costa





Marcos Preto, FSP, 29-11

Caetano precisou de uma voz que não fosse a sua para seguir com suas experiências. Ele voltou a essa toada em 2006, quando compôs "Cê", seu trabalho mais experimental desde 1972. E, sozinho, não conseguiria replicar o impacto que o álbum causou. Foi então que planejou "Recanto", com a melhor vocalista que teve na vida, Gal.

Ela estava, como ele antes de "Cê", em fase de quase inércia. Se Caetano, em 2004, vinha de um CD em que cantava standards da música americana, ela saiu há pouco de uma série de trabalhos em que repetia velhos clássicos de Tom Jobim, de Caymmi, dela própria.

Ouvir Gal cantando melodias e letras tão arrojadas -e, mais que isso, levadas sobre arranjos eletrônicos distantes da caretice de seu passado recente- causa estrondo proporcional ao de "Cê", em seu lançamento. É álbum de ruptura, mesmo que Gal abandone essa praia depois de encerrada a temporada de shows. "Recanto" é um disco de Caetano, ambos assumem.

Mas é ingênuo comprar a ideia de que seja um trabalho em que Gal pudesse ser substituída por outra. Tanto que muitas das letras foram construídas especificamente para a história dela. Caetano retoma temas recorrentes no cancioneiro que produziu para Gal no passado. Em "Autotune Autorerótico", retoma a grandeza que só a voz dela lhe proporciona, "os caminhos que levam à grande beleza".

O experimento e a tradição se misturam. Há samba de roda e funk carioca, música para a pista de dança e bossa nova, com piano de Daniel Jobim, neto de Tom Jobim. Talvez os fãs mais "clássicos" de Gal não aprovem tanta ousadia -Caetano perdeu alguns desde "Cê". Mas é necessário que ela se movimente. Que salte, mesmo sendo carregada. Caetano a convidou a, de novo, mudar o mundo. Ela foi, sem medo do tombo.

RECANTO / ARTISTA Gal Costa / LANÇAMENTO Universal Music / QUANTO R$ 30, em média / AVALIAÇÃO ótimo

A difícil vida do PSDB

Janio de Freitas, FSP, 29-11

O diagnótico feito pelo ex-senador Tasso Jereissati para a perda de expressão do PSDB sintetiza, com crueza, as opiniões predominantes na cúpula partidária: "O PT roubou a nossa agenda". Apesar da concordância de fundo, os encontros partidários que buscam possíveis soluções não tornam mais convincente aquela conclusão. E ainda agravam o impasse entre correntes na cúpula partidária. Daí, a rigor, a estranhada ausência de uma exposição de fins jornalísticos, por breve que fosse, do que se passou na reunião feita para análises e propostas inovadoras. O constatável, por transbordamento, foi a oposição ainda mais explícita da corrente de José Serra à presença do deputado pernambucano Sérgio Guerra na presidência do partido. Sérgio Guerra, por sinal, muito qualificado para o posto. A situação do PSDB não é simples. Já a partir da ideia generalizada de que o governo Lula se apropriou, e o de Dilma mantém, "a agenda" dos peessedebistas.

Só os petistas obcecados contestam que Lula, enquanto Antonio Palocci e Henrique Meirelles foram as figuras centrais do governo, continuasse a política econômica de Fernando Henrique. Essa continuidade foi a opção estratégica que neutralizou a engatilhada reação do sistema financeiro privado e, em geral, do poder econômico a Lula e ao ilusório "governo do PT". Mas não foi daí que emergiu a onda lulista. São inseparáveis, na ascensão, três fatores. Com a substituição de Palocci por Guido Mantega e a entrada de Dilma Rousseff no círculo da Presidência, aos componentes conservadores da política econômica foram acrescentadas a pregação de Lula pelo crescimento e medidas objetivas nesse sentido. A neutralidade do poder econômico privado deslizou assim para adesão, difícil de disfarçar, ao governo e a Lula.

O terceiro fator nesta série foi a projeção do Brasil no mundo, com significação especial nos países importantes e nos organismos por eles dominados. Obra da política externa, com seus lances inéditos de soberania e com a contribuição pessoal do íntimo metalúrgico nas cortes e nos tapetes aristocráticos. Quase nada considerado até agora, este fator, suponho, teve influência muito grande também na projeção interna de Lula, em todas as classes sociais. Em outro plano, o assistencialismo de grande escala, sem precedente no Brasil, e a persistente presença pessoal de Lula no país todo, com farta propagação pela mesma mídia que o repudiava, conjugaram-se como engrenagens relojoeiras. Com efeitos não só nas classes beneficiadas, mas até para a projeção internacional, sob o rótulo de distribuição de renda.

Todos esses traços do período de Lula estariam muito bem em um governo social-democrata, como deveria ser o do PSDB ao menos para justificar seu nome. Mas ficou muito longe disso. Exceto a identificação das políticas econômicas na primeira parte da administração Lula, houve divergência em tudo o mais que foi determinante para a caracterização dos dois governos. A ideia de apropriação indébita do que seria a agenda dos peessedebistas é cômoda, mas equivocada. Seu governo de oito anos não fez o que não quis. O sucessor, a par dos seus defeitos e deficiências, quis e fez o que o governo do PSDB não fez porque não quis. O que também pode ser dito assim: não fez porque fazê-lo não era sua agenda.

O problema que o PSDB encontra, e não reconhece, é de identidade. Pensou representar a social-democracia e quem a praticou, nos seus próprios termos, foi outro. Sem olhar-se no espelho, o PSDB não poderá sair para vida nova.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Nelson Freire, o documentário

Notícias da Redação (video promocional do jornal "O Globo")

Mario Sabino ou O Dia em que matei meu pônei



Por Leonardo Attuch

Um mês atrás, estive em Recife, participando de um debate com dois grandes jornalistas brasileiros: Fernando Morais, que já vendeu mais de 5 milhões de livros, com seus romances e biografias, e Raimundo Rodrigues Pereira, ex-editor da Realidade e criador do Movimento, durante a ditadura militar. Ambos já escreveram em Veja, mas se viram forçados a se explicar à plateia, dizendo que trabalharam “naquela Veja”, não “nesta Veja”. Em Brasília, um de meus bons amigos é o jornalista Hélio Doyle, professor renomado da UnB, colunista deste Brasil 247 e também ex-editor de Veja. Doyle, com frequência, é cobrado pelos alunos sobre essa grave mancha em seu currículo – e ele, com frequência, dá explicações semelhantes às de Fernando Morais e Raimundo Pereira. Doyle trabalhou “naquela Veja”, não “nesta Veja”. Um tanto mais jovem do que os três colegas aqui citados, eu também trabalhei em Veja, no início da minha carreira jornalística, em 1994. Infelizmente, numa revista que já deixava de ser “aquela” para se transformar “nesta” Veja. Onde os editores babavam, como chacais, diante da primeira alternativa de destruir uma reputação. Vivi, por exemplo, o caso do embaixador Rubens Ricupero e de suas inconfidências parabólicas. Nada contra cobrir o caso em si – o modo de cobertura é que já revelava a transformação daquela revista nesta revista. E, quando saí, fui aconselhado pelo ex-chefe a ser mais “filho da puta” – nesses termos. Caso contrário, não teria futuro algum na publicação.

Felizmente, naquele breve período, não tive o desprazer de conhecer Mario Sabino. Ele era ainda um personagem secundário, mas que, rapidamente, absorvia a cultura que, com ele, atingiu seu zênite. Anos depois, quando trabalhei na Editora Três, soube que Sabino foi demitido do cargo de editor de cultura da Istoé por um comentário, numa reportagem sobre o escritor Paulo Coelho, que já revelava parte de seu caráter. Algo jocoso, na linha do “cada país tem o escritor que merece”. Domingo Alzugaray, dono da editora Três, sempre foi um gentleman. Um dos barões mais cordatos da imprensa brasileira. Que seria capaz de admitir uma crítica profissional a um autor, mas não ao público, de maneira geral e indiscriminada.

Por que Sabino teria agido desta maneira em relação a Paulo Coelho? Talvez devido ao fato de ser um escritor frustrado. Seus livros só fizeram sucesso, realmente, nas páginas de Veja. O primeiro deles, “O dia em que matei meu pai”, recebeu críticas mandatórias elogiosas na publicação, misturando interesses públicos e privados, e de forma questionável foi incluído na lista de mais vendidos de Veja. Poucas pessoas se deram ao trabalho de ler, mas quem viu enxergou, na obra, os primeiros sinais de conflitos psicológicos internos do autor, que foram levados ao comando editorial da maior revista semanal brasileira. O segundo, chamado “O vício do amor” e lançado nesta semana no programa do Jô Soares, é também sério candidato ao anonimato literário, apesar do esforço de divulgação.

Em Veja, Sabino deu provas reiteradas de seu caráter. Anos atrás, quando Istoé publicou uma capa sobre um erro da revista da Editora Abril, que destruiu a carreira de Ibsen Pinheiro colocando três zeros a mais num extrato bancário, Veja respondeu na semana seguinte. Numa matéria sobre a concorrente, Sabino classificou em vários trechos o jornalista Hélio Campos Mello, ex-diretor de redação da Istoé e atual dono da Brasileiros, como um reles “fotógrafo” – na lógica de Sabino, fotógrafos são seres inferiores a escritores frustrados. E seu estilo de ataque lembra o de pessoas que, quando enfrentam adversários, molham a pontinha do dedo com saliva e dizem: “Eu te afogo”.

O caso Hélio Campos Mello foi apenas um dos inúmeros exemplos daquilo que Luis Nassif classificou como “assassinatos de reputação em série”, praticados por Mario Sabino. Assassinatos que se tornaram mais notórios na esfera política, mas que também atingiram os meios cultural, artístico e até jornalístico. Sabino tinha um chefe, Eurípedes Alcântara, que continua em Veja, mas era dele a mão pesada e irresponsável da publicação. Eurípedes, ao contrário, é suave e educado.

Neste ano, quando a Editora Abril anunciou a contratação de Fábio Barbosa, ex-presidente do Santander, para o comando do grupo, com poderes inclusive sobre a área editorial, ficou claro e cristalino que os dias de Mario Sabino estariam contados em Veja.

Barbosa tem nome, currículo e reputação. Não jogaria tudo na lata de lixo para preservar um nome que não é querido na própria casa – sim, a redação de Veja, nesta sexta-feira, amanheceu em festa. E, aqui no 247, passamos a escrever o óbvio, desde o dia em que Fábio Barbosa foi anunciado. Mario Sabino estava prestes a cair.

Alguns diziam que estávamos torcendo ou tentando organizar a sucessão em Veja. Na verdade, estávamos apenas interpretando uma realidade cristalina. Sabino teve ainda a má sorte de se arriscar ainda mais, na semana em que foi anunciada a chegada de Fábio Barbosa. Com o chefe Eurípedes Alcântara em férias, ele organizou a reportagem sobre José Dirceu que terminou numa delegacia de polícia devido ao fato de um repórter ter tentado invadir um quarto de hotel em Brasília.

O ex-presidente do Santander não toleraria condutas desse naipe, como também misturas entre interesses públicos e privados numa publicação tão relevante como é a revista Veja. Exemplo: Felipe Patury, hoje colunista de Época, deixou a publicação da Abril porque não teve liberdade para escrever sobre o faustoso casamento do criminalista Roberto Podval em Capri, onde um dos convidados foi Sabino. Semanas depois, Podval, que já defendeu Sabino em processos judiciais, foi brindado com uma entevista de páginas amarelas, que lançava seu nome para a disputa da OAB – a chapa, jocosamente, já é chamada pelos adversários de “Pepino di Capri”.

Nesta sexta-feira, o jornalismo brasileiro amanheceu melhor. Respira, novamente, bons ares. Todos que já trabalharam em Veja torcem para que um dia possam voltar a ler “aquela” Veja — e não “esta” Veja.

Comenta-se que Mario Sabino irá trabalhar na Companhia de Notícias, uma assessoria de imprensa do bom jornalista e bom amigo João Rodarte. Se é verdade, a CDN saiu perdendo. Essa atividade exige, sobretudo, bom relacionamento entre os pares.

E não há um profissional brasileiro que tenha construído tantos inimigos em tão pouco tempo como Mario Sabino. Amigos, talvez ele tenha dois: Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo.

Bom, paremos por aqui, porque o Brasil amanheceu nesta sexta com um sol radiante.

Carta de propósitos

Com esta martelada inicial, está pregado no muro das mais palpáveis virtualidades o "Clipão do Sopão", uma filial destinada a organizar em publicação, ordenamento e eco o subtexto que abastece piadas e indigações várias do blogue-matriz. Nada demais: apenasmente um clippping daquilo que de interessante o blogueiro vai tropeçando nas navegações atribuladas ou prazerosas. Um caderninho à parte e sem custos. Uma caderneta pessoal onde o interessado pode catar com vareta algo de valor no enturo geral das coisas. Uma nota de rodapé com um pouco mais de sustância. Uma sobremesa, um tira-gosto em forma de textos, foto, imagem, filme. Um regalo, pra quem vai de blogue em blogue se distraindo com as mil e uma opiniões que tentam, cada qual à sua maneira, embalar da melhor maneira possível as interrogações da aldeia, do Brasil e do mundo.