quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Vem cá, Luiza


 
Mais do que uma torcida viral pró-Dilma em meio ao tiroteio do pessimismo econômico, o que revela todo este bafafá em torno da entrevista da dona do Magazine Luiza para o programa Manhattan Connection é o grau a que chegou o mau jornalismo entre nós. É como aquele filme "O Informante", que parecia estar o tempo todo falando sobre as suspeitas engrenagens da indústria do cigarro quando, na verdade, era muito mais um libelo contra os pecados de  certo tipo de telejornalismo norte-americano. A corajosa simplicidade com que a empresária Luiza Helena Trajano contestou ponto a ponto o manjado derrotismo blasé de Diogo Mainardi escancarou, em 15 minutos de um programa que, embora já tradicional de tão antigo, passa a quilômetros dos olhos do público médio brasileiro, o quanto precisamos oxigenar nossos noticiários. Que isso tenha acontecido num programa que, embora jornalístico, não é exatamente uma atração de conteúdo diretamente noticioso é apenas um sintoma a mais dessa mesma doença. 

Dito diretamente: a cada vez que Luiza rebatia com números, vigor e convicção - e nenhuma ideologia - as falsas verdades cristalizadas que quase todos os comentaristas do programa brandiam ela trazia um frescor informativo que anda fazendo muita, mas muita falta mesmo nos programas de televisão, nos jornais impressos, nas revistas semanais, nos portais de internet. Chegamos a tal ponto de consagrar, apressada e atabalhoadamente, realidades construídas em aquários de redação, completamente imunes a qualquer vírus da realidade lá fora, que quando se dá espaço a alguém para dizer algo que vá minimamente contra a corrente o resultado é este que estamos vendo no "meme" da Luiza. 

Luiza, pois, é menos uma novidade do que um sintoma. Há milhares de varejistas pensando exatamente o mesmo que ela em vários e vários pontos do país. Digo mais, há comerciários que dividem com ela as mesmas opiniões: cito o exemplo de um rapaz, caixa das lojas Rener no Natal Shopping, da capital potiguar, que disse a Rejane agora em dezembro mais ou menos o que a empresária afirmou no programa da Globonews. O garoto, de vinte e poucos anos, reclamou das pessoas que caem na conversa do Jornal Nacional e ficam com medo de usar o dinheiro que ganham, pensando que a economia do país está mesmo ladeira abaixo - e note que a questão aqui não é exatamente se isso está acontecendo de fato, em maior ou menor medida ou velocidade, mas a maneira como as pessoas se comportam diante do noticiário que praticamente comemora a derrocada que ela mesma anuncia.

É péssimo para a sociedade inteira essa falta de oxigenação, esse paredão de má informação construída, esse jornalismo que considera o "outro lado" uma questão meramente reflexiva  - e não algo que pode, mais do que equilibrar, devolver uma falsa notícia ao lugar de onde ela nunca deveria ter saído (o aquário da redação e toda a área em torno onde seus efeitos se multiplicam com burra automação). O caso Luiza mostra o quanto estamos perdendo em trazer para a página do jornal, a matéria da televisão, o colorido falso da revista uma visão menos monocromática não só da economia brasileira, mas de tudo o que se refere ao país. Pense na Copa, pense na cultura. Tem muita gente que pensa diferente mas não é fonte. Talvez porque, como já cansei de ouvir tantas vezes nas redações onde trabalhei, não "falam bem". A propósito, a empresária Luiza frequentemente sapeca um "os atendimento", ou uma situação "compricada", como você pode ver no video da entrevista. 

Ok, mas segure aí seu preconceito linguístico e pense no quanto você ouve de palavras vazias de entrevistados pra lá de cultos no telejornalismo brasileiro. E o que é melhor: Luiza, além de ser aquele caso de alguém que diz o que pode ser correto mesmo usando um português errado, ainda tem a maior estampa de cabocla, aquela aparência miscigenada que caracteriza o povão brasileiro mesmo que a um trilhão de quilômetros. Soa coerente que tenha sido alguém assim a pessoa a enfrentar a turma harvardiana do Manhatan Conection.